The Subject and the Object
Amidst ties, shoes, hats, and other items displayed in window shops of a gallery in the center of São Paulo, there is an object with a distinct format and composition from the others around it. Leather cutouts are joined by small rings and juxtaposed on velvet, and together they form a new object, a banner. Despite its abstraction, it is striking that the parts—pieces of leather, velvet, and hoop earrings—allude to the universe of the body, and more than that, of the female body. Besides, the irregularity of the cutouts preserves the memory of the gestures that created them, and the object as a whole reflects on the relations between the material and the individual as indicated by the video presented next to it.
In the video, the artist appears wearing that same leather jacket with scissors in hand. Soon she starts to cut. Each gesture leads to the fragmentation of the original form, transforming the coat into a patchwork while making her torso visible. Cutting, however, is not easy. The material is tough, and the movements require effort, as seen in the artist’s expressions. The difficulty of cutting can also be perceived in parallel with exposing the body, making it vulnerable, especially as it is presented in public space.
Julia Brandão is an artist whose work investigates the body and its relations to notions of identity, culture, and memory. Dealing predominantly with fabrics, the artist explores materialities and techniques that cross the domains of visual arts, sewing, and tapestry. Usually starting with cutouts, the artist produces collages, sculptures, performances, and installations in which one can inhabit. Her works bring together elements of personal domain and popular culture that seek to establish emotional connections and activate collective memories. More recently, the artist started to experiment with videos and performances in which she is present, reflecting on the relationship between the fabric and the body. As part of her investigations, she is interested in exploring social identities and classifications and ways to destabilize what is already accepted. This research includes works such as Fragmented Body (2018), in which pieces cut from the artist’s clothes are sewn and reconstructed, searching for a new unit on the canvas; The Body and its Emptiness (2018), a performance in which the artist cuts large areas of juxtaposed fabrics, creating connections between them while also building a three-dimensional composition; and A Men’s Suit (2019), a performance in which she attempts, insistently and without success, to wear a masculine suit, which is later decomposed and recreated in new artistic work.
In The Subject and the Object (2019), the artist continues to deal with fragmentation and reconstruction processes, but here, fragmentation is treated as a transformative power. By presenting the sculpture and the video side by side, she aims to draw attention to the relevance and symbology of the process and how body and fabric are intertwined, being transformed altogether. Her body becomes the means by which she seeks to question how the female body is perceived, not in an individual but in a broader sense, transforming hers into a social body. This process questions notions and values that mark the representation of the feminine such as restrained desires, domination by fear, and oppression by guilty. The work seeks to present a body that does not want to be harassed, perceived sensually, repressed, or silenced by others. The Subject and the Object is a work about fragmentation, transformation, and finally about freedom. It is a work that seeks to break with stereotypes of the female body while also seeking to construct new subjectivities. In The Subject and the Object, the artwork is treated as a banner that stands for the memory of a woman in search of a free body.
The video was created in collaboration with Robert O'Shea, who filmed the performance. The artist works with video, performance, photography, and sculpture. He seeks to explore issues such as queer identity, political images, labour, and the body. O'Shea has a degree in Fine Arts from the National College of Art and Design (Ireland). He lives and works in Brooklyn and Ireland.
* For more information, visit www.artepassagem.com.br/o-sujeito-e-o-objeto
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Versão em português:
Em meio a gravatas, sapatos, chapéus e outros itens expostos em vitrines de uma galeria no centro de São Paulo, encontra-se um objeto com formato e composição distintos dos outros a seu redor. Composto por recortes de couro unidos por pequenas argolas e sobrepostos a um veludo, juntos eles formam um novo objeto, uma obra-estandarte. Apesar de sua abstração, chama a atenção que as partes que o constituem – o couro, o veludo, e os brincos de argola – aludem ao universo do corpo e mais do que isso, do corpo feminino. Além disso, os recortes irregulares guardam a memória dos gestos de sua criação e o objeto como um todo traz reflexões sobre as relações entre materialidade e indivíduo, como também esclarecido pelo vídeo apresentado a seu lado.
No vídeo, a artista aparece vestindo um casaco de couro e com uma tesoura em punho. Logo os cortes se iniciam. Cada gesto leva à fragmentação da forma original transformando o casaco em retalhos e colocando também o torso da artista à vista. Estes cortes, porém, não são feitos com facilidade. O material é resistente e os movimentos exigem esforço, como se pode notar nas expressões no rosto da artista. A dificuldade do corte também pode ser percebida em paralelo com o ato de colocar o corpo à mostra, de forma vulnerável, ainda mais no espaço público.
O principal campo de investigação do trabalho de Júlia Brandão é o corpo e suas relações com noções de identidade e memórias culturais referentes aos espaços que ele habita. Lidando predominantemente com tecidos, a artista explora materialidades e técnicas que cruzam os universos das artes plásticas, da costura e da tapeçaria. Partindo de retalhos, a artista produz colagens, esculturas, performances e também instalações nas quais se pode adentrar. A artista reúne em suas obras elementos de domínio pessoal e de cultura popular que buscam estabelecer conexões emocionais e ativar memórias coletivas. Mais recentemente, a artista começou a experimentar com vídeos e performances em que sua imagem se faz presente, refletindo de forma mais direta sobre a relação entre sua principal matéria-prima, o tecido, e o corpo. Uma perspectiva relevante do trabalho da artista é seu olhar sobre identidades e classificações sociais de forma a desestabilizar aquilo que é já é aceito. Fazem parte desta pesquisa obras como Corpo fragmentado (2018), em que peças recortadas de roupas diferentes da própria artista são costuradas e reconstruídas, buscando uma nova unidade no espaço do canvas, e Deslocamento (2018), uma performance em que a artista recorta grandes áreas que abrem buracos e criam conexões entre tecidos sobrepostos, formando também uma nova composição tridimensional. Ainda relacionada a estas ideias está O Terno Masculino (2019), performance na qual a artista tenta, de forma insistente e sem sucesso, vestir um terno masculino, que é posteriormente decomposto e recriado em nova composição artística.
Em O Sujeito e o Objeto, a artista continua a lidar com processos de fragmentação e reconstrução, mas nesta obra, a fragmentação tem potencial transformador. Além disso, a presença do vídeo chama a atenção para a relevância e a simbologia do processo e sobre como material e corpo se entrelaçam e se transformam conjuntamente. Seu corpo se torna também o meio pelo qual a artista busca questionar como o corpo feminino é percebido, não em sentido individual, mas sim em sentido mais amplo, tornando o seu, um corpo social. Esse processo questiona noções e valores que marcam a representação do feminino, que cerceiam desejos, dominam pelo medo e oprimem pelo sentimento de culpa. A obra traz a ideia de um corpo que não se quer assediado, sensualizado, reprimido ou silenciado por outros. O Sujeito e o Objeto é uma obra sobre fragmentação, transformação e, finalmente, sobre liberdade. É uma obra que busca libertar-se da identidade e dos valores aos quais o corpo feminino é atrelado e que, ao mesmo tempo, busca a liberdade para a construção de subjetividades. Aqui, a obra de arte é tratada como um estandarte que guarda a memória da travessia do corpo feminino na busca de criação de um corpo novo, de um corpo livre.
O vídeo foi produzido em colaboração com Robert O'Shea, que filmou a ação. O artista trabalha com vídeo, performance, fotografia e escultura. Ele busca explorar questões como identidade queer, a política da imagem, o trabalho e o corpo. Formado em Belas Artes pelo National College of Art and Design, na Irlanda, Robert vive e trabalha entre Nova Iorque e a Irlanda.
* Para mais informações, acesse www.artepassagem.com.br/o-sujeito-e-o-objeto